Os meninos Verdes
-
E a estória dos
Meninos Verdes, vovó?
-
Então vocês
querem saber a estória dos Meninos Verdes? Mas não é uma estória, é um
acontecido. Me pediram para não divulgar o assunto, esperando para ver o que
acontece, porque o caso é muito sério! Vou contar só pra vocês. Foi assim:
“ No quintal da Casa Velha da Ponte sempre tivemos
horta com verduras, legumes. Também pomar com árvores de frutas variadas e
jardim com flores.
O
quintal é o mundo do seu Vicente, um homem que viveu sempre plantando,
cultivando, colhendo. É prestadio e metediço.
Certo dia entre as plantas que nascem lá, boas ou más,
apareceram duas plantas diferentes. Seu Vicente estranhou, queria arrancá-las.
Eu disse:
-
Não, deixe
crescer, vamos ver o que sai daí.
-
Com o passar dos
dias, as plantas se desenvolviam de forma estranha, não eram conhecidas de
ninguém.
Certo
foi que um dia, de manhã cedo ainda, no tempo de frio, vem seu Vicente com cara
de espanto e me diz:
-
Dona Cora, Dona
Cora, vem ver uma coisa!
-
Eu estava acendendo
o fogo para fazer o café e disse:
-
Espera um bocado,
depois do café eu vou.
-
Não, não, a
senhora vem já. Venha ver!
Impressionada com aquele chamado urgente fui até o
quintal. E lá, debaixo das tais plantas estranhas, vi umas coisinhas que se
mexiam, buliam. Umas coisas vivas.
Na primeira olhada não pude definir o que seria
aquilo. Pareciam bichos, filhotes de passarinho, qualquer coisa que tivesse
caído por ali, que tivesse despencado de um galho de árvore. E tinham se
juntado na sombra daquelas duas plantas.
Depois me abaixei e examinei melhor. Eram seres vivos,
com todas as formas de crianças em miniatura! Tomei um nas mãos, senti que era
gelatinoso, com muitos muito vivos, como querendo escapar da minha mão.
Assombrada, achei que precisava retirá-los da terra,
porque eles estavam bem sujinhos!
Seu Vicente apanhou o balaio que ele usa para os
trabalhos no quintal. Forrou-o com panos e cobertas velhas e acomodou aqueles
seres. Eram sete, e, achando que eles estavam com frio, seu Vicente rebuçou.
Examinando de perto, perguntou:
-
É bicho, é
passarinho ou é gente?
-
Velho, isso é uma
coisa que nós vamos indagar, e não fale pra ninguém!
-
É salta-caminho –
falou assombrado.
-
Cubra com mais um
cobertor e leve para o outro lado da casa. Depois do café vou resolver o que se
faz.
Voltei para o fogão, fiz o café, e comecei a imaginar
o que seria aquilo. Fui vê-los. Estavam juntinhos e não tremiam.
Tomei um nas mãos e vi que tinha a cabeça verde, olhos
verdes, boquinha verde, dentinhos verdes em ponta, orelhas verdes e o cabelinho
como de milho, mas verde. Os pés e as mãos tinham unhas como garras de
passarinho. Na barriguinha lisa, o umbigo era apenas uma manchinha verde mais
escura.
Eram dois grupos. Um grupo tinha a cabecinha chata e o
cabelo pendendo para baixo. O outro grupo tinha cabeça pontuda, cabelo em
ponta, tendendo para cima. Os sinais sexuais estavam um tanto indefinidos, mas
notava-se diferença entre um grupo e outro.
Tornei
a agasalhá-lhos e disse:
-
Velho, precisamos
dar alimento pra eles.
Seu Vicente, sempre pronto a dar comida a todo bicho
que aparece, falou:
-
Vou fazer uma
papa de farinha!
-
Não, não faça de
farinha, vou fazer mucilagem.
-
Seu Vicente
alimentou os serezinhos às dedadas – à moda nordestina – passando na boca e
empurrando. Assim, ele e os serezinhos ficaram todos lambuzados.
Aí, considerando que aquele mistério tinha que ser
mantido em segredo, pensei que era muito pesado para mim só. Fiz um chamadinho
para uma vizinha muito boa, que veio à minha casa. Contei a ela o acontecido.
-
Preciso de sua
ajuda.
Ela
ficou admirada quando viu o conteúdo do balaio, e compreendeu a necessidade de
guardar segredo.
-
Dona Cora, vou
fazer uns macacõezinhos de flanela, parece que eles estão com frio.
Costurou
quatro macacões rosa e três azuis, achou que eram meninas e meninos. Eles
aceitaram as roupas.
Mais tarde, quando voltamos lá, eles tinham
estraçalhado as flanelas com os dentinhos. Continuavam juntinhos, meio
tremendo.
Depois passaram a não querer mais a mucilagem. Vi que
em vez de aumentarem de peso e de tamanho, estavam diminuindo.
Aí eu pensei: “E agora, deixar morrer à míngua não é
possível”.
Minha vizinha sugeriu falar com seu irmão, um médico
conceituado.
Dr. Passos veio mais tarde, olhou, espantou-se, e deu
uma orientação muito inteligente:
-
Tudo é verde
neles. Como estão rejeitando alimento, vamos colorir a mucilagem de verde e
vamos vesti-los de verde.
Minha
vizinha costurou macacõezinhos verdes e passamos a alimentá-los com sopas e
purês de espinafre, repolho, alface, agrião, chicória. Eles gostaram do verde das
comidinhas e das roupas.
Seu Vicente transformou o balaio numa casinha,
enfeitada de folhas verdes, com camas-beliche, cadeirinhas e mesinhas, tudo
pintadinho de verde. Aí a coisa foi melhorando, começaram a se desenvolver e
perderam aquele aspecto gelatinoso.
Foram se firmando, a gente via que eles tinham mais
vitalidade. Brincavam entre si, e quando um começava a chiar, os outros
respondiam num chiado diferente.
Numa hora parecia que aquele chiado era uma risada,
noutra, um grito ou uma conversinha entre eles. Agarrando a beira do balaio,
saíam, espalhando-se pela casa. Batizei-os como Meninos Verdes.
Muito ocupada com meus doces, um dia, mexendo com os
tachos, um dos Meninos começou a subir pela minha perna, pela minha roupa e,
quando vi, estava no meu pescoço, olhando para dentro do tacho. Passei uma
dedada de açúcar pela boquinha dele. Gostou. “Oi, que danado!”
Não
podia mantê-los em minha casa, sempre com a porta da rua e a porta do meio
abertas. Passei a manter fechada a porta do meio.
O tempo passando, o problema se agravando, os meninos
cada vez mais vitalizados. Seu Vicente cansado, sentindo-se importunado.
-
Dona Cora, olhe o
que os danados estão fazendo comigo, minhas mãos arranhadas, eu sem tempo até
para fazer um cigarro de palha. A senhora vai fazer criação desses
salta-caminhos?
-
Paciência, isso
veio para mim, mas não tenho como resolver.
-
Deixe, Dona Cora,
num dia de chuva, coloco todos numa caixa de papelão e solto rio abaixo.
-
Velho, não fale
isso outra vez. É um crime. Os Meninos Verdes vieram pra mim. Tenho de resolver
o problema.
Pedi
socorro para minha boa vizinha;
-
Converse com a
mulher do Presidente da República. É criatura muito humana, já esteve aqui na
cidade, conhece a senhora.
Carteei com a Primeira Dama. Em resposta dizia-se
muito admirada e pedia fotos. O filho de minha vizinha tirou fotos muito
nítidas. Eu as enviei.
A resposta chegou antes do que eu esperava: ia mandar
buscar os Meninos Verdes.
Eu disse a ela que o carro deveria parar longe de casa
para não despertar suspeitas.
Os portadores – um médico, uma enfermaria e uma
assistente social – chegaram como se fossem comprar doces. Ficaram pasmos,
absurdos com o que viam!
Meus Meninos Verdes foram acomodados pela enfermaria
em uma caixa acolchoada e rumaram para o Planalto.
Assim, me achei aliviada, mas não liberta.
Espiritualmente estava ligada a eles e já sentindo a sua falta. Acompanhava a
distância a nova vida dos Meninos Verdes.
Quando chegaram ao Palácio, foi um espanto geral. O
Presidente mandara construir, na parte do Palácio reservada à família, uma casa
especial com auditores e visores. Quando não estava ocupado, gostava de
sentar-se na frente da casa dos Meninos Verdes.
Uma enfermeira os acompanhava permanentemente. A
alimentação estava a cargo da nutricionista. Pedagogos, psicólogos e
antropólogos faziam parte da equipe de estudos. Os serezinhos cresciam devagar.
O Presidente da época foi substituído, e todos os
presidentes depois dele continuaram a cuidar dos meninos.
Foi quando resolveram criar a Cidade dos Meninos Verdes,
um polo de turismo que seria mais interessante que a Disneylândia, na América
do Norte. Chamaram um grande arquiteto para projetar a cidade.
Quando estava para iniciar-se a construção da cidade,
cientistas brasileiros convidaram cientistas estrangeiros para conhecerem
aqueles seres que surpreendiam a todos pelo seu desenvolvimento.
Vieram cientistas de muitos países, e ficaram
assombrados, sem saber o que eram e de onde tinham vindo aqueles serezinhos.
Examinaram, fotografaram, radiografaram, observaram, indagaram.
Mas a ideia de criar uma Cidade dos Meninos Verdes
como atração turística não foi aprovada. Os serezinhos eram um fenômeno
científico obscuro, de imprevisível futuro, assim, decidiram continuar
observando suas vidas, o que poderia significar grandes avanços na Ciência.
Países
estrangeiros ofereceram tecnologia científica para acompanhar o caso e queriam
levar os Meninos Verdes para a Europa, Ásia, Estados Unidos.
Ofereceram até indenização!
O Brasil rejeitou a proposta.
O governo aceitou apenas a colaboração científica,
técnica, cultural de todos os países do mundo, declarando os Meninos Verdes
patrimônio universal da Ciência.
Acompanho a distância meus Meninos Verdes. Estão
crescendo devagarinho, dão sinais de inteligência e vivacidade, já estão com 12
centímetros.
Exercícios
1) Procure o significado das palavras que desconhece e faça uma postagem.
http://www.dicio.com.br/ ou
http://www.priberam.pt/dlpo/
2) Identifique os elementos das narrativas no texto lido (personagens, tempo, espaço, enredo e foco narrativo) e faça uma postagem.
3) Pesquise a biografia (vida e obra) de Cora Coralina e anote em seu caderno.
Exercícios
1) Procure o significado das palavras que desconhece e faça uma postagem.
http://www.dicio.com.br/ ou
http://www.priberam.pt/dlpo/
2) Identifique os elementos das narrativas no texto lido (personagens, tempo, espaço, enredo e foco narrativo) e faça uma postagem.
3) Pesquise a biografia (vida e obra) de Cora Coralina e anote em seu caderno.
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