quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Turma G-5 (Aula 02/08)

Escola Mul. Professora Leonísia Naves de Almeida
Língua Portuguesa- Prof.: Luiz
Turma: G-5

Leia atentamente o texto abaixo. A seguir, responda às questões em seu caderno.

IRMÃO DE ENXURRADA

Fico lembrando dele esperneando no berço. Ele era uma coisica ainda mais estranha do que é hoje. Não, muito mais estranha: hoje ele é gente, fala, acha coisas sobre mim, sobre os outros irmãos, sobre a dona da padaria.
Antes ele era... um ... um montinho que se mexia também estranhamente.
Eu ficava horas olhando para ele. As mãozinhas minúsculas, que de tão
minúscula ele nem sabia que tinha. Na verdade, acho que ele realmente não
sabia para o que elas serviam. Elas navegavam no ar, aquelas titiquinhas de
dedos sem entender nada, parecendo uma sementinha viva.
E mijava e fazia cocô sem parar – meu Deus do céu, como sujava as fraldas esse cara! Minha mãe falava a língua dos bebês. “Ih, gachinha da mamãe tá de caquinha de novo? Tadim, gente! Quetarindo, hein? Quetarindo,
sem-vergonha da mãe, hein?” Muito chato. Eu achava que ela era meio pancada. Comigo ela não falava assim. Nem com os outros meus irmãos.
A gente fazia uma besteirinha de nada, como quebrar um vaso, um vidro da janela, ficar na rua até mais tarde, brigar no colégio... e o pau comia – ah, se o pau comia! Mas com ele era aquele nhe-nhe-nhém, aquele tatibitate
sem fim.
[...]
Teve um tempo em que ele engatinhava. Rodava pela casa toda, gugu pra cá, dadá pra lá, passando debaixo dos móveis, debaixo das pernas da gente – um saco! Porque, de vez em quando, a gente tropeçava nele. E o
moleque chorava. Ele não tinha a menor solidariedade. Chorava mesmo.
Esgoelava-se, o bostinha! E sobrava pra gente, é claro. Na maioria das vezes era sem querer que a gente tropeçava nele.
E um dia que ele engoliu a cabeça de um bonequinho do Forte Apache?
Ou foi o rabinho de um cavalo? Não lembro exatamente o que foi que ele engoliu, mas lembro do problemão que foi. Ele engasgou, e acho que ele não sabia tossir, ou era burrinho demais para isso, ou estava só de implicância
comigo, sei lá. Minha mãe veio correndo porque gritei lá do meu quarto:
“Mãe, o Augusto engoliu uma coisa aqui tá ficando roxo, mas eu não dei nada pra ele comer; ele é que pegou, esse burro. Eu falei pra ele não comer mas ele comeu assim mesmo. Mas não fui eu não, viu, mãe?” Não adiantou nada.
Fiquei uma semana sem poder brincar com o Forte Apache por causa dele. E olha que ele nem morreu nem nada.
[...]
Até que tinha um ar interessante, o meu irmão mais novo. Os cabelos muito pretos, muito lisos, caindo-lhes sobre os olhos. Que eram enormes, com cílios longos como os das meninas. Um rosto radiante, o tempo todo.
Um corpo miúdo, mas socado. Bisbilhotava tudo, sempre de orelha em pé.
[...]
– Como foi que eu nasci?
– Hein?
– Como foi que eu nasci? Quero saber...
Então era isso. Viu os cachorrinhos e ficou curioso. Era minha oportunidade.
– E eu sei lá! Nem mamãe sabe.
– Como que mamãe não sabe? Eu não sou filho dela?
– Olha, cara, acho melhor você conversar isso com ela. Depois, sabe, não era pra você saber, não era pra te contar nada...
– Contar o quê?
– Bem, na verdade, você não é irmão-irmão, da gente. Você é irmão, assim, por acaso.
– É?
– É.
– Conta...
– Um dia estava chovendo demais. Era de tarde mas parecia de noite.Tudo preto, sabe? Relâmpago, trovão, enxurrada que parecia um rio e...
– O que é enxurrada?
– Mas é besta mesmo... Enxurrada, cara: aquele tantão de água que escorre pela rua quando chove. Lembra outro dia, a gente ficou sentado no meio-fio lá de casa, com o pé numa água que descia a rua... Fizemos
barquinho com formiga dentro, lembra?
– Lembro.
– Aquela água chama enxurrada.
– Ah...
– Pois como eu estava contando, chovia. E fez enxurrada. Mamãe tinha saído pra comprar pão, eu acho. Quando ela vinha voltando, viu uma coisa que parecia uma gente, descendo pela enxurrada. Esperou chegar perto...
Sabe o que era?
– [...]
– Era você. Todo sujo, fedendo. Magricela. Aí ela ficou com pena e
pegou você. Disse pra gente: “Achei esse neném na enxurrada, tadinho!
Vamos cuidar dele como se fosse da família.” Nós também ficamos com dó
de você e resolvemos te tratar como irmão de verdade... Foi assim.
– [...]
– Tá chateado? Liga não. Até que a gente gosta de você, mesmo sendo irmão de enxurrada.
– [...]
Tump, tump, tump... Passávamos pela esquina onde havia uma padaria.
Sempre havia alguns amigos por lá comendo maria-mole. Maria-mole é horrível, mas vinha com revolvinho de plástico ou estrela de xerife, grudados nela. Estavam lá, três amigos meus, encostados na guarita alaranjada dos
motoristas de ônibus.
– Olha, o “pouca-sombra”!
– E aí, já deu uns tapas nesse porcaria?
Zombavam do meu irmão mais novo. Achavam, com certeza, que eu iria rir também.
Me aproximei, tranquilo, um sorrisinho safado no rosto. Meu irmão, quieto, cabeça baixa. Eles, os caras, falavam outras gracinhas. Fui chegando, chegando... Dei um tapaço no primeiro que alcancei. Ele saiu catando cavaco e caiu de cara no chão.
– Ninguém se mete com meu irmão mais novo, tá falado? Quem se meter com ele vai se ver comigo. Zero a zero?
Silêncio. Continuamos andando pra casa. Meu irmão mais novo, calado.
Eu, calado. A merendeira: tump, tump, tump...
Ele não contou a história da enxurrada para minha mãe.
(CISALPINO, Murilo. In: RAMOS, Ricardo et alii. Irmão mais velho, irmão mais novo.São Paulo: Atual, 1992, p. 64-71).

1-) Quem narra a história é o irmão mais velho. Que idade provavelmente ele tem? Justifique sua resposta.

2-) No início do texto, o irmão mais velho descreve o irmão mais novo como "coisica", montinho", "uma sementinha viva".

a-) Por que, na sua opinião, ele ficava horas olhando-o no berço?

b-) Que tipo de sentimento, provavelmente, ele tinha pelo irmão?

3-) A partir do segundo parágrafo do texto, o menino passa a chamar o irmão de "pancada", "um saco","meleca", "bostinha" e "burro".

a-) Que sentimento, na sua opinião, o irmão mais velho revela, agora, em relação ao irmão mais novo?

b-) Por que seu sentimento mudou?

4-) Sempre que um irmão sente ciúme do outro, achando que está em segundo plano quanto ao carinho dos pais, a tendência é ele ver a situação de modo exagerado e se fazer de vítima. Você acha que esse é o caso do irmão mais velho? Por quê?

5-) No final da história, o comportamento do irmão mais velho surpreende o leitor.

a-) Qual é esse comportamento?

b-) Na sua opinião, qual é a razão dessa mudança de comportamento?

6-) O irmão mais novo não conta à mãe a história da enxurrada.
Por que, na sua opinião, ele escondeu essa história de irmão de enxurrada?

7-) O irmão mais velho, ao contar a Augusto a história que inventou, termina dizendo que gosta dele, mesmo ele sendo "irmão de enxurrada", expressão que é o título do texto. Por que, nessa situação, ele chama Augusto desse modo?

8-) Leia este trecho:

"Lembra outro dia, a gente ficou sentado no meio-fio lá de casa, com o pé numa água que descia a rua... Fize­mos barquinho com formiga dentro, lembra?"

Considerando esse contexto, que outro sentido, figurado, ganha a expressão "irmão de enxurrada"?

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